As geleiras estão perdendo a luta contra o aquecimento global, mas ainda há muito o que pesquisar. Will Gadd vai te explicar tudo
A escalada começa na geleira Athabasca© Christian Pondella/Red Bull Content Pool
Meu mundo está derretendo. Tomemos, como exemplo, uma vez que eu fui escalar a geleira do Kilimanjaro e o meu mapa sobre ela estava errado - metade do gelo havia desaparecido. O mesmo pode ser dito sobre a geleira Athabasca, nas Montanhas Rochosas canadenses, uma geleira muito mais próxima de casa, além de ser a primeira que eu visitei com o meu pai, um geologista e cientista.
Ainda me lembro de sair do carro com ele e andar alguns poucos minutos até o pé da misteriosa geleira azul. Enquanto a escalávamos, eu me utilizava da Athabasca como uma estrada de gelo em direção a outras montanhas e a descia para os outros diversos picos da região.
Um dia, enquanto eu percorria a distância entre a estrada e o meu carro, eu me lembrei do quanto o pé da geleira parecia perto quando era criança e resolvi checar o mapa. As marcas azuis me mostravam o quanto ela havia retrocedido desde que eu era um garoto, mas novamente, apenas 20 anos haviam se passado e o mapa já estaria totalmente impreciso novamente.
A geleira diminuiu de tamanho ao longo dos anos© John Price/ Red Bull Content Pool
Estas geleiras - a do Kilimanjaro e do Athabasca - já testemunharam recessões glaciares milenares, mas não neste ciclo em que vivemos. Eu fiquei curioso e por isso contactei o professor Matin Sharp, um cientista da Universidade de Alberta (Canadá), e juntos organizamos uma expedição com o Museu de Ciência & Tecnologia do Canadá, que culminou numa série de viagens à geleira Athabasca.
Nestes últimos anos, eu venho usando as minhas habilidades de escalada no gelo para ajudar cientistas a alcançarem lugares inacessíveis, como, por exemplo, o interior de uma geleira. Com o professor Sharp, nosso objetivo era compreender melhor como a água estava se descolando sob a geleira, de forma que teríamos um modelo de recessão melhor do gelo.
Dentro da geleira
Os últimos raios de luz desaparecem aos 50 metros© John Price/ Red Bull Content Pool
Nossas vozes ecoavam enquanto eu fixava as cordas e organizava a caverna de gelo para a nossa travessia em segurança, em direção ao interior da geleira. O professor Sharp não parecia totalmente convencido enquanto ele descia através de um pequeno buraco que tivemos que cavar, mas seu sorriso logo se abriu, uma vez passado o desafio.
"Nós fizemos um esboço e uma previsão de como este lugar seria", comenta o professor Sharp, animado, uma vez que traríamos algumas fotos nas quais outros cientistas daquele ramo de estudo não teriam a oportunidade de tirá-las.
Descobertas chocantes
As luzes do capacete eram a única fonte de luz© John Price / Red Bull Content Pool
O que realmente surpreendeu a todos foi que, embora a temperatura do ar estivesse na casa dos -40ºC lá fora, lá dentro da geleira ela era de apenas -1ºC.
"Esta é uma geleira temperada, o que significa que está a cerca de -1ºC a todo o momento", explica o professor. "Se a temperatura global subir um grau sequer, isto pode resultar em mudanças dramáticas para a geleira".
Enquanto cavávamos mais e mais fundo, descendo por cordas e escalando piscinas semi-congeladas, o professor Sharp fez outra descoberta.
Estas manchas amarelas nas paredes não são das rochas. Eu acho que elas são biofilme e ninguém nunca as tinha visto dentro de uma geleira antes.Professor Martin Sharp
Biofilmes se formam naturalmente toda hora (as placas amarelas nos seus dentes são uma espécie de biofilme), mas como é que uma delas poderia crescer dentro de uma geleira, com relativa pouca luz, metros abaixo do gelo? Na esperança de encontrar algumas respostas, amostras de biofilmes estão sendo atualmente analisadas na Universidade de Bristol, sob a direção de Ashley Dubnic, estudante PhD e uma expert reconhecida em biologia das geleiras.
Professor Sharp examina o gelo com sua expertise© Christian Pondella/Red Bull Content Pool
Com o objetivo de reunirmos o maior número de informação possível, nós sentimos que era importante ver o quanto o sistema cavernoso de gelo ia para baixo, para podermos medir a profundidade da geleira. Se pudéssemos alcançar o ponto no qual a geleira estivesse conectada à terra, ao solo de apoio, o professor Sharp e os outros cientistas poderiam melhor entender a perda de profundidade, a qual resulta numa perda ainda maior e menos óbvia do que a recessão horizontal, visível de fora.
Gadd e Sharpe em direção ao desconhecido© Christian Pondella/Red Bull Content Pool
A 30 metros abaixo da superfície, nós tínhamos que usar a nossas lanternas de cabeça e, a 50 metros abaixo da superfície, todo resquício de luz exterior desaparecia completamente. As coisas ficaram ainda mais interessante a 100 metros abaixo da superfície, onde pudemos enxergar rachaduras brutais nas paredes. Esta descoberta deixou o professor Sharp atônito, porque uma geleira geralmente é bem lisa, por conta da pressão.
A 110 metros de profundidade, eu senti a pressão do desconhecido, aquele tipo de coisa que pode se tornar fatal em ambientes de riscos novos. Nesse momento, embora estivéssemos próximos ao limite mais profundo da geleira, no ponto em que ela tocava no solo, nós encerramos o dia ali: a primeira grande regra de uma aventura é não cometer riscos estúpidos.
Embora nunca tenhamos alcançado o ponto de encontro da geleira com o solo, pudemos ver que estávamos apenas entre 20 e 60 metros do final.
Não há certeza sobre o futuro climático da Terra© Christian Pondella/Red Bull Content Pool
Quando eu mostrei as imagens da minha viagem aos meus filhos, as cores e formas os fascinaram. Mas aí, enquanto eu olhava estas fotos hipnotizantes com eles, me bateu que eu não estava os preparando para um mundo mais quente, mas para um mundo que irá mudar de uma maneira muito, muito mais radical e imprevisível do que podemos imaginar.
Não se trata apenas de "menos gelo". Trata-se de um mundo onde a minha vida enquanto escalador e guia está incerta. E, francamente falando, isso me aterroriza.
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Escrito por Will Gadd
Fonte: Red Bull
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