quinta-feira, 31 de março de 2016

Por que esportes radicais atraem tanto?
por Renato Miranda
Certa vez estava participando de um trekking (caminhar em regiões naturais) pelas montanhas da Serra dos Órgãos no Estado do Rio de Janeiro. Era uma travessia entre as cidades de Petrópolis e Teresópolis. Nesse trekking as pessoas caminham entre montanhas em altitudes que chegam a mais de dois mil metros, e passam por lugares cujos praticantes podem sofrer sérios acidentes caso não tomem os devidos cuidados.

Esportes radicais estimulam quem está bem preparado
"Atletas de esportes radicais (pára-quedismo, surf, esqui, etc.) gostam de sentir os efeitos da adrenalina e da noradrenalina (embora digam que é “adrenalina pura!”). Em outras palavras, gostam porque sabem que o medo pode ser controlado em forma de alerta e euforia, pois têm consciência do plano de ação e dos movimentos que precisam realizar. Para eles a adrenalina passa a ser um estimulante natural e o corpo fica potencializado para a ação" Ao chegarmos a um determinado ponto chamado “Pedra da Baleia”, uma passagem feita em cima de uma grande rocha abaulada, parecendo o dorso de uma baleia, daí o nome, um colega me perguntou o porquê ele mesmo percebendo uma grande descarga de adrenalina, se sentia tão bem e motivado embora estivesse a poucos metros de um penhasco e que em caso de acidente, qualquer tipo de socorro pouco adiantaria.
Aqui vai minha explicação, que serve para qualquer tipo de atividade ou esporte dito radical, que mesmo com certa carga de perigo, atrai um número considerável de pessoas.

Em primeiro lugar é bom que se diga que o nosso organismo está freqüentemente se preparando para a ação (em qualquer tipo de estresse) ou para a recuperação (homeostase – sono, alimentação). Essa preparação é controlada pelo Sistema Nervoso Autônomo (SNA), que funciona de maneira autonômica e é responsável pela ação de nossos órgãos viscerais internos, coração, pulmões, intestinos, etc.
O SNA é altamente sofisticado por isso tem duas divisões: em ação o SNA é “ajustado” pelo Sistema Nervoso Simpático (SNS), em recuperação esse “ajuste” é feito pelo Sistema Nervoso Parassimpático (SNP).

Sabedoria do corpo
O controle automático do nosso organismo para adaptar e se regular frente às demandas da ação e recuperação recebe o nome de homeostasia, que se refere à permanente tendência dos organismos de manter a constância interna. É o que o fisiologista americano Walter Cannon (1871-1945) chamou de “sabedoria do corpo”, como nos ensina o mestre neurocientista Roberto Lent.

Desse modo observamos que o Sistema Nervoso Simpático e Parassimpático, na verdade, trabalham em constante harmonia e solidariedade. Aliás, esse é o significado em grego da palavra simpatia. Em essência, o objetivo primordial do Sistema Nervoso Autônomo é tentar constantemente manter o organismo equilibrado internamente.
Em resumo, quando nosso colega de trekking está à beira de um penhasco seu Sistema Nervoso Simpático é ativado para ficar em alerta e preparar suas ações. Assim, o SNS prepara o corpo para “lutar ou fugir” diante um desafio, tarefa ou ameaça providenciando ajustamentos fisiológicos tais como: variação da freqüência e força dos batimentos cardíacos para que o sangue seja bombeado mais rápido pelo corpo, variação da respiração para fornecer oxigênio com mais eficiência, dilatação das pupilas para uma melhor acuidade visual e ativação aguda do sistema neuromuscular para preparar os movimentos.
Toda essa experiência interna acontece em poucos segundos e há uma química natural para favorecer esse “estado de alerta” frente aos desafios e/ou ameaças. Vários hormônios neurotransmissores como a noradrenalina e cortisol são produzidos pelo organismo a fim de “agilizar” a ação simpática. Porém a adrenalina é o hormônio neurotransmissor que melhor representa essa química, pois seu efeito sobre o SNS é contundente, alterando o funcionamento do coração, pulmões e participa dos demais ajustes fisiológicos descritos anteriormente.
A produção de adrenalina é feita por glândulas que ficam acima dos rins chamadas de supra-renais, toda vez que somos expostos a uma grande demanda de estresse físico (exercícios árduos) ou psíquico (medo) a adrenalina será liberada para preparar o organismo para “lutar ou fugir”. Quando enfrentamos desafios, uma pequena variação da adrenalina chamada noradrenalina é produzida a fim de regular nosso tônus muscular para a ação e promover nosso comportamento de impetuosidade. Isso acontece quando estamos preparados para enfrentar a situação ameaçadora ou desafio.

Adrenalina e noradrenalina

Para entender melhor, voltemos ao exemplo inicial do nosso texto. Quando o montanhista chega a um penhasco e é necessário atravessar de um lado para o outro, andando em um espaço de largura reduzida, terá em seu organismo produção de adrenalina combinada com noradrenalina, que fará com que ele controle seu medo, fique em alerta, eufórico e tenha um comportamento relativo à impetuosidade, promovendo uma ação energética e com motivação. Mas se colocarmos uma pessoa despreparada, sem equipamento e, portanto, com baixo nível de consciência do que deve ser feito para enfrentar o dito perigo, a descarga de adrenalina será tão grande que a preparação simpática produzida será para “fugir” do perigo, nesse caso, possivelmente a pessoa ficará imóvel (congelada!) e se conseguir se mover, será para dar meia volta e nada a fará realizar a travessia da “Pedra da Baleia”.

Medo, controle, alerta e euforia

Isso explica por que nosso montanhista e outros atletas de esportes radicais (pára-quedismo, surf, esqui, etc.) gostam de sentir os efeitos da adrenalina e da noradrenalina (embora digam que é “adrenalina pura!”). Em outras palavras, gostam porque sabem que o medo pode ser controlado em forma de alerta e euforia, pois têm consciência do plano de ação e dos movimentos que precisam realizar. Para eles a adrenalina passa a ser um estimulante natural e o corpo fica potencializado para a ação.
O perigo reside na autoconfiança exacerbada, que faz o atleta esquecer os procedimentos de segurança básicos e ignorar o perigo, desprezando os sinais de medo que a adrenalina proporciona. O medo é importante para lhes manter em alerta e fora dos riscos desnecessários. Nota-se que há um número considerável de acidentes fatais registrados com excelentes atletas que em grande parte dos casos, sucumbiram por desprezar o perigo e os sinais do medo.
Em conclusão, poderíamos dizer que na prática de esportes radicais não é adrenalina pura (lembre-se da noradrenalina!) e que todos os bons atletas têm medo. Caso contrário, para que serviria a coragem?


Fonte:http://www2.uol.com.br

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